sexta-feira, 4 de julho de 2014

A inteligência começa nas mãos



A escola, assim como a casa toda arrumada e etiquetada, espaço em que a criatividade é embotada em prol de uma ordem determinada pelos educadores, é um espaço emburrecedor. Por esta razão, ao lidarem com uma criança supostamente limitada, os psicopedagogos devem investigar a casa em que vive.

O quarto mais fascinante do sobradão colonial do meu avô era o quarto do mistério, de entrada proibida, onde eram guardadas numa desordem total, quinquilharias e inutilidades acumuladas durante um século. Ali a imaginação da gente corria solta. Já a sala de visitas, linda e decorada, era uma chatura. A criançada nunca ficava lá. Na sala de visitas a única coisa que me fascinava eram os vidros coloridos importados, lisos, através dos quais a luz do sol se filtrava. (ALVES, 2002, p.91)

A inteligência começa nas mãos. As crianças não se satisfazem com o ver: elas querem pegar, desmontar, manipular e montar. Por que então a inteligência se satisfaria apenas com o ato de ver as coisas? Os olhos mostram para as mãos o caminho das coisas a serem mexidas.
Ciência se faz em qualquer lugar. Apenas precisamos de duas coisas: olho e cabeça. Assim, a primeira tarefa da educação é ensinar a ver e ensinar a pensar.

Embora isso esteja esquecido, o caminho para a inteligência passa pelas mãos. Pensamos para ajudar as mãos. Das mãos nascem as perguntas. Da cabeça nascem as respostas. Se a mão não pergunta, a cabeça não pensa. Pois laboratório vem de 'labore', trabalhar com as mãos, que é essa cooperação entre as mãos e inteligência. Física Mecânica, Física Elétrica, Física Hidráulica, Física Ótica, Física dos Materiais, Matemática, Química, Biologia, Saúde, Geografia, História, Literatura, Poesia, Ecologia, Política, Sociologia, Arte – todas moram na nossa casa, ferramentas e brinquedos, ao alcance de nossas mãos, desafios ao pensamento: conhecer para 'labore' na construção da casa de morada. (ALVES, Folha de São Paulo, 21/07/2002, p.3)

Uma casa e uma escola devem estar cheias de objetos para serem mexidos. A casa e a escola, elas mesmas, devem ser mexidas. Os livros devem estar ao alcance das mãos. É preciso que as crianças e os jovens aprendam que livros são mundos pelos quais se fazem excursões deliciosas. Brinquedos também são fundamentais. Porém, devemos ter cuidado com os brinquedos automáticos em que se aperta um botão ou uma tecla e as coisas acontecem. Isso pode ser altamente emburrecedor. O brinquedo deve ser algo que desafia a nossa habilidade com as mãos ou com as ideias.

No momento em que a menina resolver fazer uma cirurgia na boneca para ver como a mágica acontece – nesse momento ela estará ficando inteligente. Quebra-cabeças: objetos maravilhosos que desenvolvem uma enorme variedade de funções lógicas e estéticas ao mesmo tempo.
Armar quebra-cabeças à noite: uma excelente forma de terapia familiar e pedagogia: o pai ensinado ao filho os truques. Ferramentas: com elas as crianças desenvolvem habilidades manuais, aprendem física e experimentam o prazer de consertar ou fazer coisas. A quantidade de conhecimento de física mecânica que existe numa caixa de ferramenta é incalculável. A cozinha aberta a todos. A cozinha é um maravilhoso laboratório de química. Cozinha educa a sensibilidade. (ALVES, 2002-A, pag.92)

O mesmo se repete no texto intitulado “Escola fragmento do futuro” (ALVES, 1995), onde o autor complementa esta ideia de escola que estimula a inteligência com currículos organizados nas linhas do prazer: que falem das coisas belas, que ensinem Física com as estrelas, pipas, peões e bolinhas de gude; Biologia com as hortas e os aquários; a Política, com o jogo de xadrez e o incentivo aos grêmios e representações dos alunos; a História contada com bastante humor e leveza, a ciência relativizada pelas crônicas dos erros e acertos dos cientistas. Que o prazer e suas técnicas sejam objeto de meditação e experimentação.

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