A escola, assim como a casa toda arrumada e
etiquetada, espaço em que a criatividade é embotada em prol de uma ordem
determinada pelos educadores, é um espaço emburrecedor. Por esta razão, ao
lidarem com uma criança supostamente limitada, os psicopedagogos devem
investigar a casa em que vive.
O quarto mais fascinante do sobradão colonial do meu avô era o quarto
do mistério, de entrada proibida, onde eram guardadas numa desordem total,
quinquilharias e inutilidades acumuladas durante um século. Ali a imaginação da
gente corria solta. Já a sala de visitas, linda e decorada, era uma chatura. A
criançada nunca ficava lá. Na sala de visitas a única coisa que me fascinava
eram os vidros coloridos importados, lisos, através dos quais a luz do sol se
filtrava. (ALVES, 2002, p.91)
A inteligência começa nas mãos. As crianças não
se satisfazem com o ver: elas querem pegar, desmontar, manipular e montar. Por
que então a inteligência se satisfaria apenas com o ato de ver as coisas? Os
olhos mostram para as mãos o caminho das coisas a serem mexidas.
Ciência se faz em qualquer lugar. Apenas
precisamos de duas coisas: olho e cabeça. Assim, a primeira tarefa da educação
é ensinar a ver e ensinar a pensar.
Embora isso esteja esquecido, o caminho para a inteligência passa
pelas mãos. Pensamos para ajudar as mãos. Das mãos nascem as perguntas. Da
cabeça nascem as respostas. Se a mão não pergunta, a cabeça não pensa. Pois
laboratório vem de 'labore', trabalhar com as mãos, que é essa cooperação entre
as mãos e inteligência. Física Mecânica, Física Elétrica, Física Hidráulica,
Física Ótica, Física dos Materiais, Matemática, Química, Biologia, Saúde,
Geografia, História, Literatura, Poesia, Ecologia, Política, Sociologia, Arte –
todas moram na nossa casa, ferramentas e brinquedos, ao alcance de nossas mãos,
desafios ao pensamento: conhecer para 'labore' na construção da casa de morada.
(ALVES, Folha de São Paulo,
21/07/2002, p.3)
Uma casa e uma escola devem estar cheias de
objetos para serem mexidos. A casa e a escola, elas mesmas, devem ser mexidas.
Os livros devem estar ao alcance das mãos. É preciso que as crianças e os
jovens aprendam que livros são mundos pelos quais se fazem excursões
deliciosas. Brinquedos também são fundamentais. Porém, devemos ter cuidado com
os brinquedos automáticos em que se aperta um botão ou uma tecla e as coisas
acontecem. Isso pode ser altamente emburrecedor. O brinquedo deve ser algo que
desafia a nossa habilidade com as mãos ou com as ideias.
No momento em que a menina resolver fazer uma cirurgia na boneca para
ver como a mágica acontece – nesse momento ela estará ficando inteligente.
Quebra-cabeças: objetos maravilhosos que desenvolvem uma enorme variedade de
funções lógicas e estéticas ao mesmo tempo.
Armar
quebra-cabeças à noite: uma excelente forma de terapia familiar e pedagogia: o pai ensinado ao
filho os truques. Ferramentas: com elas as crianças desenvolvem habilidades
manuais, aprendem física e experimentam o prazer de consertar ou fazer coisas.
A quantidade de conhecimento de física mecânica que existe numa caixa de
ferramenta é incalculável. A cozinha aberta a todos. A cozinha é um maravilhoso
laboratório de química. Cozinha educa a sensibilidade. (ALVES, 2002-A, pag.92)
O mesmo se repete no texto intitulado “Escola
fragmento do futuro” (ALVES, 1995), onde o autor complementa esta ideia de escola que
estimula a inteligência com currículos organizados nas linhas do prazer: que
falem das coisas belas, que ensinem Física com as estrelas, pipas, peões e
bolinhas de gude; Biologia com as hortas e os aquários; a Política, com o jogo
de xadrez e o incentivo aos grêmios e representações dos alunos; a História
contada com bastante humor e leveza, a ciência relativizada pelas crônicas dos
erros e acertos dos cientistas. Que o prazer e suas técnicas sejam objeto de
meditação e experimentação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário