Essa escola trazia a concentração, a alegria e a
inteligência de mãos dadas.
Os discípulos viam o seu próprio rosto no
artefato que produziam e não o rosto de outro. Tratava-se de uma escola não
alienante. Alves encontrou na Escola da Ponte essa escola retrógrada,
artesanal...
A Escola da Ponte, a escola com que sempre sonhou
sem imaginar que pudesse existir.
Uma escola que funciona dentro dos parâmetros
ditos normais de nossa sociedade, a "escola de linha de montagem",
tem um perfil de funcionamento definido. Nessa escola encontramos salas de
aula, em cada sala um professor, o professor ensinado, explicando a matéria
prevista nos programas oficiais, crianças aprendendo.
Há intervalos regulares, soa uma campainha,
sabe-se então que vai haver uma mudança; muda-se de matéria, frequentemente
muda-se de professor, pois há professores de Matemática, de Geografia, de
Ciências etc, cada um ensinando a disciplina de sua especialidade.
Na Escola da Ponte a filosofia é completamente
diferente. Lá não existem salas de aula no sentido tradicional. Não há classes
separadas por séries como 1o ano, 2o ano, 3o
ano... Também não existem aulas em que o professor ensine a matéria. O
aprendizado se dá através da formação de pequenos grupos que tenham interesse
comum por um determinado assunto. Os alunos reúnem-se com a professora e ela
estabelece dialogicamente um programa de trabalho de 15 dias. Durante este
período ela orientará o que os alunos devem pesquisar e onde pesquisar. São usados
de forma bastante frequente os recursos da INTERNET. No fim dos 15 dias
estabelecidos o grupo de reúne e avalia juntamente com a professora o que foi
realmente aprendido. Se na avaliação do grupo o objetivo tiver sido alcançado,
o grupo se dissolve e forma-se outro para estudar outro assunto.
As salas são grandes e sem divisões. Existem
várias mesinhas baixas, próprias para o uso das crianças. Lá eles trabalham nos
seus projetos com total autonomia. Movem-se pela sala com total liberdade. Os
professores ficam em algumas mesas e se movem quando necessário.
Outro momento marcante na Escola da Ponte vivido
por Alves se deu quando observou que
[...] à esquerda da porta de entrada havia frases escritas com letras
grandes, afixadas na parede. A menina explicou: 'Aprendemos a ler, lendo frases
inteiras.' Lembrei-me que foi assim que eu aprendi a ler. Minha primeira
cartilha se chamava O Livro de Lili.
Na primeira página havia o desenho de uma menininha com o seguinte texto, que
nunca esqueci: 'olhem para mim! / Eu me chamo Lili. /Eu comi muito doce. /
Vocês gostam de doce? Eu gosto tanto de doce!' Imaginei que a diferença,
talvez, fosse que o texto O Livro de Lili
tinha sido escrito por uma pessoa no seu escritório. E que as frases que se
encontravam escritas na parede da Escola da Ponte eram frases propostas pelas
próprias crianças, frases que diziam o que elas estavam vivendo. Aprendiam,
assim, que a escrita serve para dizer a vida que cada um vive. (IBDEM, p.42)
Na Escola da Ponte as crianças que sabem ensinam
as crianças que não sabem. A aprendizagem e o ensino são um empreendimento
comunitário, uma expressão viva de solidariedade. Muito mais importante do que
o aprender saberes é aprender valores. A ética permeia todas as relações nesse
ambiente.
Existem nas paredes, cartazes em que as crianças
pedem ajuda sobre determinada dificuldade ou se oferecem para ajudar em
determinados assuntos.
Os portadores de necessidade especial, como
alunos com Síndrome de Down, trabalham junto com as outras crianças. Eles são
tratados com igualdade. A maior lição que aprendem é que todos têm um lugar
importante na vida.
Rubem Alves narra outro momento de impacto na
Escola da Ponte:
Andando vi um texto intitulado Direitos
da Criança Quanto à Leitura. O primeiro direito rezava: 'Toda criança tem o
direito de não ler livros que não goste' (...)
Li depois, texto dos Direitos e
Deveres elaborados pelas próprias crianças. Dentre todos, o que mais me
impressionou foi o que dizia assim: temos o direito de ouvir música na sala de
trabalho para trabalharmos em silêncio. (IBDEM, p.44)
Nessa escola há os computadores do "acho
bom" e do "acho mau". Quando os alunos querem elogiar algo ou
alguma atividade, escrevem no computador do "acho bom". Quando ao
contrário, querem reclamar ou fazer alguma queixa, escrevem no computador do
"acho mau".
Quando existem problemas de disciplina as
crianças recorrem a um tribunal. Aquele que desrespeita as regras de
convivência traçada por elas mesmas, tem de comparecer perante esse Tribunal.
A primeira pena que se recebe é pensar durante um
período de três dias sobre seus atos. Retorna para dizer o que pensou.
São feitas assembleias semanais para tratar dos
problemas da escola e sugerir soluções. Na assembleia nenhum aluno interrompe o
outro. Isso também é uma regra que as próprias crianças estabeleceram. Consta
na lista de Direitos e Deveres. Quem
deseja falar deve levantar a mão e aguardar a indicação do presidente da
assembleia que também é uma criança.
Muitos podem se perguntar se essa escola pode
funcionar bem sem programa, currículo e disciplinas. O relato abaixo fala por
si.
Quando visitei a Escola da Ponte, o tema era 'A Descoberta do Brasil'
e tudo mais que a cercava. As crianças estavam fascinadas com o feito dos
navegadores, seus antepassados, nessa aventura mais ousada que a viagem dos
astronautas à Lua. Imagine agora que algumas das crianças tenham ficado
curiosas diante do assombro tecnológico que tornou os descobrimentos possíveis:
as caravelas. Organizam-se num grupo para estudá-las. Um diretor de escola
rigoroso e cumpridor dos seus deveres torceria o nariz – 'O tema caravelas não
consta de nenhum programa nem aqui, nem em nenhum outro lugar do mundo.' E
concluiria: 'Não constando em nenhum programa, não deve ser objeto de estudo.
Perda de tempo. Não vai cair no vestibular.' (ALVES, 2001, p.59)
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