A segunda crônica que poderíamos citar é
"Quero uma escola retrógrada". Nesta, critica as nossas escolas
afirmando que seguem o modelo das linhas de montagem das fábricas. Escolas são
fábricas que se organizam para produzir unidades biopsicológicas móveis,
portadoras de conhecimentos e habilidades. Esses conhecimentos e habilidades
são definidos exteriormente por agências governamentais. Os modelos
estabelecidos por tais agências são obrigatórios e tem a lei que lhe dá
respaldo. Os alunos que ao final do processo não estejam de acordo com tais
modelos são descartados. É a homogeneidade das "peças" que atesta a
qualidade do processo. Quem não passa no teste de qualidade não recebe o
diploma, certificado de excelência ISO
1200.
As linhas de montagem denominadas escolas organizam-se segundo
coordenadas espaciais e temporais. As coordenadas espaciais se denominam 'salas
de aulas'. As coordenadas temporais se denominam 'anos' ou 'séries'. Dentro dessas
unidades espaço-tempo, os professores realizam o processo técnico-científico de
acrescentar sobre os alunos os saberes-habilidades que juntos irão compor o
objeto final. Depois de passar por esse processo de acréscimos sucessivos – à
semelhança do que acontece com os 'objetos originais' na linha de montagem da
fábrica – o objeto original que entrou na linha de montagem chamada escola
(naquele momento ele chamava 'criança') perdeu totalmente a visibilidade e se
revela, então, como um simples suporte para os saberes – habilidades que a ele
foram acrescentados durante o processo. A criança está, finalmente, formada,
isto é, transformada num produto igual a milhares de outros ISO 1200, está
formada, isto é, de acordo com a fôrma. É mercadoria espiritual, que pode
entrar no mercado de trabalho. (ALVES, 2001, p.36)
A visão de escola foge às respostas
estereotipadas de vários educadores. A falta de verbas, a condição de
indigência dos professores, o mau aproveitamento dos alunos, também são
preocupações do autor, porém, acrescenta a isso tudo uma mudança de filosofia
da escola. Mesmo que o Estado investisse mais, pagasse mais aos professores e
desse todas as condições materiais para o ambiente escolar, ainda faltaria o
essencial: uma mudança de mentalidade. Afinal, é um equívoco pensar que com
panelas novas e sofisticadas o mau cozinheiro fará comida boa.
A obra pedagógica de Alves é muito prolífera.
Nada escapou a seu olhar agudo. Porém uma crítica constante a seu trabalho é a
de que ele não tem uma proposta concreta de escola. Fica apenas nas metáforas,
analogias e crônicas bem escritas, mas sem aplicação prática. Nunca se
preocupou em criar uma escola que aplicasse sua própria filosofia. No ano de
2001, porém, quando visitou uma escola portuguesa chamada Escola da Ponte, sentiu-se tão atraído pela experiência daquele
local que escreveu o livro A escola com
que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.
Esta escola foi assumida pelo autor como se fosse
uma expressão concreta de suas ideias.
Em seu texto "Gaiolas ou asas?",
presente no seu livro Por uma educação
romântica, afirma que "Escolas que são asas não amam pássaros
engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros
coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer porque o voo já
nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado, só pode ser
encorajado." (ALVES, 2002, p.30)
A Escola da Ponte é um espaço que proporciona
asas aos alunos. Ela funcionou como um Koan
na sua vida e provocou uma experiência de Iluminação[1].
Por ser um apaixonado pela educação, nunca se
conformou com os absurdos que ocorrem nas práticas escolares: o sofrimento das
crianças, desperdício de tempo, os esforços desnecessários e inúteis, absurdos
danosos à vida e a inteligência subestimada das crianças e jovens.
Ao visitar a Escola da Ponte, sofreu um forte
impacto, pois ali vislumbrou algo com que sempre sonhara.
O KOAN aconteceu a partir do espantoso momento inicial. Eu, professor
estrangeiro, visitante, fui visitar a escola esperando que seu diretor me desse
as devidas explicações. Mas nada disso aconteceu. Depois de trocar comigo
aquelas palavras iniciais de cordialidade, ele simplesmente chamou uma menina
de uns nove anos que estava passando e lhe disse com total tranquilidade: 'Tu podes
mostrar e explicar nossa escola ao nosso visitante?'
Ditas estas palavras, ele me abandonou sem pedir desculpas e a
menininha assumiu a tarefa com uma inteligência e um desembaraço que me
deixaram perplexo. Compreendi então que eu me encontrava diante de uma escola
que eu nunca imaginara. (ALVES, 2001, p.32)
A partir desse primeiro momento, sofreu uma série
de surpresas agradáveis que o motivaram a assumir tal escola como a sua própria
proposta educacional.
Embora não saiba se experiências como a da Escola
da Ponte podem ser reduplicadas, utilizou o relato de suas experiências nesta
escola para provocar Satori ou Iluminação em seus leitores. Que os
leitores desaprendam a quantidade enorme de teorias despejadas neles. Afinal,
os burocratas da educação sempre imaginam que os professores tornam-se mais
capacitados se mais saberes lhes forem acrescentados. Jamais lhes passa pela
cabeça que a questão não é somar
saberes, mas subtrair saberes como ensina o Zen-Budismo. Só assim os leitores
verão o que nunca viram. Assim se inicia a sapiência.
Em crônicas como Koan, Quero uma escola retrógrada e Escola
da Ponte (1), (2), (3), (4) e (5); relata como foi a experiência de SATORI
que teve na Escola da Ponte: "Por isso sou grato, fiquei
iluminado..." (ALVES, 2001, p.32)
Em Quero
uma escola retrógrada, cria, com o próprio título, uma situação de
estranhamento no leitor. Ao afirmar a disposição de estabelecer uma escola
retrógrada, choca a maioria dos educadores. A palavra "retrógrada"
tem uma conotação totalmente negativa em nossa sociedade. No entanto, é
exatamente esse o seu objetivo: mostrar que muitas vezes o que chamamos de
retrógrado é uma resistência legítima a ideia de evolução e progresso tão
propalados na sociedade moderna. Mas será que essa sociedade e a escola que ela
oferece progrediram realmente? Essa é a grande provocação do texto.
Contra uma "escola de linha de
montagem" propõe uma "escola retrógrada". O que chama de
retrógrado é uma escola inspirada no modelo da oficina do artesão medieval. Uma
escola artesanal. Precisamos
[...] abandonar a linha de montagem de fábrica como modelo para a
escola e andando mais para trás tomar o modelo medieval da oficina do artesão
como modelo para a escola. O mestre-artesão não determinava como deveria ser o
objeto a ser produzido pelo aprendiz. Os aprendizes, todos juntos iam fazendo
cada um a sua coisa. Eles não tinham de reproduzir um objeto ideal escolhido
pelo mestre. O mestre estava a serviço dos aprendizes e não os aprendizes a
serviço do mestre. O mestre ficava andando pela oficina, dando uma sugestão
aqui, outra ali, mostrando o que não ficava bem, mostrando o que fazer para
ficar melhor (modelo maravilhoso de 'avaliação'). Trabalho duro, fazer e
refazer. Mas os aprendizes trabalham sem que seja preciso que alguém lhes diga
que devem trabalhar. (IBDEM, p.38)
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