Prosseguindo com a analogia, o filósofo afirma
que os técnicos tratariam de consertar a máquina, pois ficariam convencidos de
que ela precisa de ajustes e peças novas. Mas ao contrário do que pensam os
técnicos, afirma que não há nada de errado com a "máquina de ensino".
A questão fundamental é que os corpos dos alunos têm seus próprios mecanismos
de "controle de qualidade" e, se o aprendizado não acontece, é porque
seus corpos "reprovam" a máquina.
Seus corpos vomitam o que a máquina lhes enfia pela goela abaixo. O
resultado do "EXAMÃO" seria a prova disto.
Nietzsche, no seu ensaio sobre TALES, refere-se às coisas 'dignas de
serem conhecidas'.
A inteligência funciona como o aparelho digestivo: ela 'testa' os
sabores, e somente aqueles que são dignos de serem aprendidos são comidos, digeridos
e incorporados. Os outros são vomitados. A recusa à aprendizagem é o vômito
daquilo que o sistema educacional quer impor mas que não faz sentido para os
alunos. (IBIDEM, p.171)
Considera
que o problema de nossa educação não é uma falha de didática, psicologia,
recursos tecnológicos ou mesmo falta de recursos financeiros. Quando o sistema
como um todo está equivocado, as tentativas de consertá-lo só agravam o
problema.
O corpo humano tem uma sabedoria própria. Ele tem
seus próprios critérios de avaliação de qualidade. Ele só aprende efetivamente
dois tipos de conteúdos. Em primeiro lugar, os conteúdos que dão prazer,
aqueles que atendem os desejos do aluno. Em segundo, o meio para se chegar ao
objeto de prazer.
Infelizmente, os conteúdos curriculares
processados pela máquina (nosso sistema educacional) não são nem objeto de
prazer e tampouco meios para chegar à coisa alguma, a não ser passar no
Vestibular. A realidade é que os estudantes não entendem a razão de ter de
aprender o que estão sendo forçados a aprender. Os educadores não devem mudar
as "panelas" e sim o "menu educacional".
A crítica ao modelo hegemônico da escola em nossa
sociedade pode também ser ilustrada por duas crônicas em que o autor mais uma
vez usa o recurso metafórico para veicular suas ideias. A primeira é Oiuqonip (Pinóquio às Avessas).
Essa crônica se vale do conto infantil de Carlo
Colodi, Pinóquio, e propõe
contá-lo às avessas. Conta-nos então a história de um menino comum de carne e
osso, igual a todos os outros, que tinha prazer com as coisas simples da vida.
Ria nos seus mundos de faz-de-conta, voava nas asas dos urubus,
assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aquários, assobiava para os
perus, andava na chuva – todas estas coisas que as crianças fazem e os adultos
desejam fazer, e não fazem por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do
desejo. (ALVES, 1995, p.76)
Mas o autor nos conta que a alegria duraria
pouco, pois seus pais lhe colocaram na escola. Afinal todos os meninos precisam
ir a escola para se tornarem "alguém na vida". Em cada criança
brincante dorme um adulto produtivo. É preciso que o adulto produtivo devore a
criança inútil.
O menino aprendeu todos os conteúdos que a escola
lhe oferecera.
Sabia que aquilo deveria servir para alguma
coisa. Só que ele não entendia. Suas notas vermelhas no boletim demonstravam
que ele tinha outros interesses.
O menino cresceu. E aconteceu que, em meio às suas rotinas, veio a se
encontrar com dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que se puseram a
contar estória de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar.
Eles disseram de heróis em aventais brancos, cavalgando microscópios e
telescópios, brandindo máquinas fantásticas e aparelhos misteriosos, em meio a
líquidos mágicos que fazem viver e morrer, encastelados em templos onde as
coisas visíveis ficavam invisíveis e as coisas invisíveis ficavam visíveis, e
lhe disseram de prodígios de verdade, e lhe perguntaram se ele não desejava se
transformar num mago, num artista...
A recompensa? O poder, o conhecimento de segredos que ninguém conhece,
a glória, ser olhado por todos como um ser diferente, sublime, superior. Se os
seus prodígios fossem maiores que os de todos, ele poderia aparecer no palco
supremo da ciência, em países distantes onde os mortais se revestem de
imortalidade. (IBIDEM, p.78)
O rapaz acaba se tornando um estudante de
ciências, mas acaba também se tornando alguém totalmente diferente daquele
sonhador de antes.
Muda seu olhar, que deixa de ver muitas coisas de
antes. Aprendeu a concentração e a disciplina. Desaprendeu a dança e as
brincadeiras. Abandonou a fantasia, os mitos e os contos de fadas. Passou a
dominar números, estatísticas, fórmulas e experimentos. Também aprendeu que o
cientista é neutro, que não se emociona com considerações de valor ou prazer.
Acabou por se (trans)formar num eficiente cientista.
Já não era o menino de outrora, carne e osso. Crescera. Estava
diferente. Os aplausos de madeira enchiam a sala. Era a glória. E foi então que
o milagre aconteceu. O recinto se encheu de suave luminosidade e a Mosca Azul,
que até então só habitava os seus sonhos, veio de longe e roçou seu rosto com
suas asas. E a grande transformação aconteceu. Era um boneco de madeira,
inteligência pura, sem coração. E os milhares de bonecos, iguais, de pé não
paravam de tamanquear seus aplausos ao novo irmão, enquanto gritavam seu nome:
Pinóquio, Pinóquio, Pinóquio... (IBIDEM, p.79)
Em vários textos ao longo de sua obra, toma esta
figura como fundamental para mostrar o que a escola faz com os alunos,
transformando-os de seres de carne e osso em "bonecos de pau".
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