sábado, 28 de junho de 2014

Rubem Alves e sua critica aos Vestibulares e Programas Escolares



Quem está determinando os rumos da educação brasileira é o grupo de pessoas que tem o poder de dizer como o vestibular deverá ser. Só existe uma população que está livre deste terrorismo: aqueles que sabem que nunca terão condições de chegar à universidade.

Os cursinhos vestibulares cantam glórias e põem os ret-ratinhos (isso mesmo, ret-ratinhos...) dos seus aprovados na TV 'conseguimos abrir as portas...'.
Os pais abrem o champanhe e se congratulam. Os moços raspam a cabeça e pintam a cara, alegres... Sugiro, ao contrário, que se faça uma análise dos aleijões e das deformações. Que foi que se perdeu? A educação que não houve. Aqueles enormes dedos gordos, inúteis... Conhecimento idiota que a memória, sábia, se encarrega de vomitar o mais depressa possível. Dentro em breve nada mais restará. (IBIDEM, p.78)

Lamenta o autor, em suas reflexões, não só a força do Vestibular em nossa educação, mas também o sofrimento que este gera em nossos alunos. Este sofrimento, no entanto, é diferenciado. Para alguns ele é amenizado pela "vitória" da aprovação mas para outros fica o gosto amargo da desilusão.
O filósofo pensa no Vestibular não pelas celebrações que acompanham os sobreviventes, mas pelas cicatrizes que ficam nos demais. Melhor então é escutar a fala dos vencidos (os alijados do Vestibular). A respeito desse tema, o autor concluiu que qualquer coisa que gere tanto sofrimento e deformação em nossa juventude não pode continuar. Está reprovado pela vida.
Atrelada à crítica dos vestibulares, em vários textos, faz uma crítica dos currículos e programas oferecidos pela Escola.
Esta tem sido uma casa com várias salas contendo crianças separadas em grupos chamados "turmas". Nessas salas, os professores ensinam conteúdos. Ao tocar uma campainha termina a aula. Os professores saem e trocam de sala com outros professores. Nova aula tem início para os alunos e novos saberes lhes são ensinados. Os professores são obrigados a cumprir seus programas.

Programa é um cardápio de saberes organizados em sequência lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca está com as crianças. Os saberes do cardápio – programas não são respostas às perguntas que as crianças fazem. Por isso as crianças não entendem porque têm de aprender o que lhes está sendo ensinado. (ALVES, 2001-A, p.52)

Os programas de aprendizagem aos quais nossas crianças e adolescentes têm de se submeter nas escolas são iguais à aprendizagem de receitas que não podem ser feitas. Por isso, logo são esquecidos pelos alunos.

Aceitemos um fato simples: um programa cumprido, dado pelo professor do princípio ao fim, é só cumprido formalmente. Programa cumprido não é programa aprendido – mesmo que o aluno tenha passado nos exames. [...] Esse é o destino de toda ciência que não é aprendida a partir da experiência: o esquecimento.
Quanto à ciência que se aprende a partir da vida, ela não é esquecida nunca. A vida é o único programa que merece ser seguido.
Quem navegaria num barco que só fosse na direção do vento e não na que se deseja?
Quanto à ciência que se aprende a partir da vida, ela não é esquecida nunca. (IBIDEM, p.61)

Defende, assim, o fim dos programas, pois os considera uma grande "camisa de força" na Educação. Um exemplo recorrente para justificar sua crítica é o do aprendizado cotidiano e familiar das crianças. O aprender a falar é um bom exemplo. Nunca se viu uma criança questionar a aprendizagem do falar. Uma criancinha de oito meses, por exemplo, começa a ter grande vontade de falar. Ela observa os adultos falando entre si e falando com ela, e percebe que falar é uma coisa divertida e útil, e logo começa a ensaiar o ato da fala por conta própria. Balbucia, faz de conta que está falando, brinca com os sons. Quando consegue falar a primeira palavra, sente a alegria dos que a cercam.

Nunca ninguém me disse que eu deveria aprender a descascar laranjas. Aprendi porque vi meu pai descascando laranjas com uma maestria ímpar, sem arrebentar a casca e sem ferir a laranja, e eu queria fazer aquilo que ele fazia. Aprendi sem que me fosse ensinado.
A arte de descascar laranjas não se encontra em programas de escola. O corpo tem uma precisa filosofia de aprendizagem: ele aprende os saberes que o ajudam a resolver os problemas com que está defrontado. Os programas são uma violência que se faz com o jeito que o corpo tem de aprender. Não admira que as crianças e os adolescentes se revoltem contra aquilo que os programas os obrigam a aprender. Ainda ontem uma amiga me contava que sua filha de dez anos dizia-lhe: 'mãe, porque tenho que ir a escola? As coisas que eu tenho de aprender não servem para nada. Que adianta saber o que significa 'oxítona'? Pra que serve esta palavra?'. A menina sabia mais que aqueles que fizeram os programas. (IBIDEM, p.53)

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