Quem está determinando os rumos da educação
brasileira é o grupo de pessoas que tem o poder de dizer como o vestibular
deverá ser. Só existe uma população que está livre deste terrorismo: aqueles
que sabem que nunca terão condições de chegar à universidade.
Os cursinhos vestibulares cantam glórias e põem os ret-ratinhos (isso
mesmo, ret-ratinhos...) dos seus aprovados na TV 'conseguimos abrir as
portas...'.
Os pais abrem o champanhe e se congratulam. Os moços raspam a cabeça e
pintam a cara, alegres... Sugiro, ao contrário, que se faça uma análise dos
aleijões e das deformações. Que foi que se perdeu? A educação que não houve.
Aqueles enormes dedos gordos, inúteis... Conhecimento idiota que a memória,
sábia, se encarrega de vomitar o mais depressa possível. Dentro em breve nada
mais restará. (IBIDEM, p.78)
Lamenta o autor, em suas reflexões, não só a
força do Vestibular em nossa educação, mas também o sofrimento que este gera em
nossos alunos. Este sofrimento, no entanto, é diferenciado. Para alguns ele é amenizado
pela "vitória" da aprovação mas para outros fica o gosto amargo da
desilusão.
O filósofo pensa no Vestibular não pelas
celebrações que acompanham os sobreviventes, mas pelas cicatrizes que ficam nos
demais. Melhor então é escutar a fala dos vencidos (os alijados do Vestibular).
A respeito desse tema, o autor concluiu que qualquer coisa que gere tanto
sofrimento e deformação em nossa juventude não pode continuar. Está reprovado
pela vida.
Atrelada à crítica dos vestibulares, em vários
textos, faz uma crítica dos currículos e programas oferecidos pela Escola.
Esta tem sido uma casa com várias salas contendo
crianças separadas em grupos chamados "turmas". Nessas salas, os
professores ensinam conteúdos. Ao tocar uma campainha termina a aula. Os
professores saem e trocam de sala com outros professores. Nova aula tem início
para os alunos e novos saberes lhes são ensinados. Os professores são obrigados
a cumprir seus programas.
Programa é um cardápio de saberes organizados em sequência lógica,
estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca está com as
crianças. Os saberes do cardápio – programas não são respostas às perguntas que
as crianças fazem. Por isso as crianças não entendem porque têm de aprender o
que lhes está sendo ensinado. (ALVES, 2001-A, p.52)
Os programas de aprendizagem aos quais nossas
crianças e adolescentes têm de se submeter nas escolas são iguais à
aprendizagem de receitas que não podem ser feitas. Por isso, logo são
esquecidos pelos alunos.
Aceitemos um fato simples: um programa cumprido, dado pelo professor
do princípio ao fim, é só cumprido formalmente. Programa cumprido não é
programa aprendido – mesmo que o aluno tenha passado nos exames. [...] Esse é o
destino de toda ciência que não é aprendida a partir da experiência: o
esquecimento.
Quanto à ciência que se aprende a partir da vida, ela não é esquecida
nunca. A vida é o único programa que merece ser seguido.
Quem navegaria num barco que só fosse na direção do vento e não na que
se deseja?
Quanto à ciência que se aprende a partir da vida, ela não é esquecida
nunca. (IBIDEM, p.61)
Defende, assim, o fim dos programas, pois os
considera uma grande "camisa de força" na Educação. Um exemplo
recorrente para justificar sua crítica é o do aprendizado cotidiano e familiar
das crianças. O aprender a falar é um bom exemplo. Nunca se viu uma criança
questionar a aprendizagem do falar. Uma criancinha de oito meses, por exemplo,
começa a ter grande vontade de falar. Ela observa os adultos falando entre si e
falando com ela, e percebe que falar é uma coisa divertida e útil, e logo
começa a ensaiar o ato da fala por conta própria. Balbucia, faz de conta que
está falando, brinca com os sons. Quando consegue falar a primeira palavra,
sente a alegria dos que a cercam.
Nunca ninguém me disse que eu deveria aprender a descascar laranjas.
Aprendi porque vi meu pai descascando laranjas com uma maestria ímpar, sem
arrebentar a casca e sem ferir a laranja, e eu queria fazer aquilo que ele
fazia. Aprendi sem que me fosse ensinado.
A arte de descascar laranjas não se encontra em programas de escola. O
corpo tem uma precisa filosofia de aprendizagem: ele aprende os saberes que o
ajudam a resolver os problemas com que está defrontado. Os programas são uma
violência que se faz com o jeito que o corpo tem de aprender. Não admira que as
crianças e os adolescentes se revoltem contra aquilo que os programas os
obrigam a aprender. Ainda ontem uma amiga me contava que sua filha de dez anos
dizia-lhe: 'mãe, porque tenho que ir a escola? As coisas que eu tenho de
aprender não servem para nada. Que adianta saber o que significa 'oxítona'? Pra que serve esta palavra?'.
A menina sabia mais que aqueles que fizeram os programas. (IBIDEM, p.53)
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