O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE RUBEM ALVES
Reuber Gerbassi Scofano
Com seu olhar múltiplo de filósofo, psicanalista, teólogo e educador,
Rubem Alves apresenta, em seu pensamento, uma abordagem extremamente original
da educação.
Tendo como base de seu pensamento os conceitos de Iluminação e Desaprendizagem,
o autor desenvolve o que poderíamos chamar de uma Pedagogia Lúdica.
Reunindo em seus textos a presença dos "agentes
iluminadores" por ele estudados, faz de sua própria escrita uma
experiência de Iluminação.
Em sua obra podemos detectar claramente a presença do poeta, do
profeta, do bufão, do psicanalista, do mestre Zen e da criança. Geralmente em forma de crônica, suas reflexões
estão eivadas de poesia, metáforas e analogias.
A metáfora é o principal recurso utilizado pelo filósofo para provocar
a Iluminação em seus leitores. Com
ricas e variadas figuras, seus textos provocam nos leitores um impacto que faz
com que relativizem as “verdades” do senso comum e em seguida “desaprendam” o
que lhes foi ensinado. A partir daí, começa um processo de reconstrução dos
conceitos, porém não mais mediados exclusivamente pela Razão mas também pela
Imaginação, pela Emoção e pelo Desejo.
A desaprendizagem
é um conceito fundamental na pedagogia de Alves. Para o filósofo, após o
desenvolvimento de um novo olhar sobre as coisas, provocado pela experiência da
Iluminação, passamos a
re-significá-las. No caso da educação, esta re-significação se dá como negação
de todas as práticas que sustentam o pensamento pedagógico Tradicional. Podemos
citar entre outros: o professor como centro do processo pedagógico, a escola
como espaço exclusivo da educação, a passividade do aluno, a racionalidade
opressiva e a técnica como parâmetros exclusivos e a negação da imaginação da
ludicidade e da alegria na escola.
Ao experimentar a Iluminação, o professor re-significa todos esses aspectos. Passa de
professor a educador, parceiro do aluno, contador de histórias, enfim um
“cozinheiro” que prepara pratos (aulas) com tempero e formato atraentes e
prazerosos.
A escola passa a ser apenas mais um dos lugares
onde o aprendizado acontece pois ele também ocorre na rua, em casa, no clube,
enfim, em qualquer lugar. Com isso o aluno se torna ativo, co-participante e um
apaixonado pela experiência da educação.
A imaginação, a emoção, o desejo, o lúdico e a
alegria passam a ser os pilares da prática educacional proposta por Alves. A
razão e a técnica não são abandonadas, mas relativizadas.
Corpo e alma se reconciliam, sujeito e objeto
perdem as linhas de fronteira tão bem definidas anteriormente. O inconsciente,
os sonhos e o desejo passam a fazer parte da agenda educacional. Para que isso
ocorra, porém, se faz necessário desaprender. Abandonar o excessivo valor dado
à ciência e investir na sapiência.
Na obra Livro Sem Fim (ALVES,
2002-G), Alves desenvolve a ideia de uma “Pedagogia da Inconsciência”, sob a
hipótese de que a maior parte de nossas pedagogias se baseiam na consciência.
Esta é o princípio e o fim de todo processo pedagógico. O próprio Paulo Freire
utilizou-a como um dos pilares de sua filosofia da educação. Era um intelectual
iluminista e acreditava que o ser mora na consciência. Essa é a razão da
proposta de conscientização como mola mestra educacional.
Influenciado pela poesia e pela psicanálise, Rubem Alves desenvolveu
uma visão oposta. Considera não existir comunicação entre as ideias claras e
distintas que estão no consciente e o corpo.
O inconsciente – corpo
– não entende a linguagem dos saberes. Por mais verdadeiras que sejam as ideias
que moram na cabeça, o corpo não as entende e não as obedece.
Os saberes são
necessários porque eles nos dão poder. Técnica. Meios para viver.
Usando-os como
ferramentas temos a possibilidade de agir sobre o mundo. Mas o corpo não
entende a sua linguagem. Ele pode usá-los como ferramentas, objetos exteriores
a ele mesmo. Mas não se transformam em sangue. São incapazes de dar um sentido
à vida. Falta-lhes o poder das palavras mágicas. O que move o corpo é o sabor
sem palavras da sapientia. (ALVES,
2002-F, p.76)
Propõe então, uma “Pedagogia da Inconscientização”, que valorize
fundamentalmente o Desejo e o Prazer.
1. A escola, o professor e o aluno na pedagogia de Rubem Alves
As metáforas nos textos de Rubem Alves funcionam
como verdadeiros Koans[1] que chocam o
leitor provocando no mesmo a abertura de um novo olhar sobre os temas
pedagógicos tratados. Trata-se da Iluminação
e da re-significação que ela provoca, lançando mão de metáforas para ilustrar a
crítica que faz ao que nossa sociedade entende como papel da Escola, do Professor
e do Aluno.
1.1. A
escola
Com relação à Escola, Rubem Alves faz uma crítica
utilizando a metáfora da gaiola.
Grande parte de nossas escolas funcionam como gaiolas e existem para que
[...] os pássaros
desaprendem a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle.
Engaiolados seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados
sempre têm um dono. Deixam de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o
vôo. (ALVES, 2002-A, p.29)
Esta metáfora nasceu do sofrimento que sentiu ao conversar com
professores de Ensino Médio em escolas de periferia.
O relato desses professores é de horror e medo.
Desrespeito, algazarra, ofensas, desinteresse e ameaças fazem parte do
dia-a-dia desses mestres obrigados a cumprir programas determinados pelas
coordenações diante de alunos desestimulados. Os professores são a própria
imagem do desânimo.
Ouvindo seus relatos,
vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra – e
as domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos
tigres... Sentir alegria ao sair de casa para ir para a escola? Ter prazer de
ensinar? Amar os alunos? O seu sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem.
A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha junto com os
tigres. (IBIDEM, p.30)
Lembra então de seus tempos de criança em que prendia pássaros em
gaiolas de arame. Os pássaros se lançavam furiosamente contra os arames, batiam
as asas, crispavam as garras e enfiavam o bico entre as frestas numa tentativa
inútil de recuperar a liberdade e acabavam ensanguentados.
A partir dessa vivência, pergunta-se se a violência era do pássaro ou
da gaiola que o prendia? Da mesma forma questiona-se: será que são violentos os
jovens de periferia ou se é a escola que os violenta? Serão as escolas uma
espécie de gaiola de arame?
Em nenhum momento descarta a importância da escola, mas insiste em se
perguntar se ela tem oferecido uma boa educação. Afinal, o que é uma boa
educação?
Segundo os técnicos e burocratas, uma boa educação se faz quando os
alunos aprendem os conteúdos dos programas oficiais. A fim de avaliar se a
educação está sendo feita com qualidade os governos criam mecanismos de
avaliação.
Mas será mesmo? Será
que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa
educação?
Você sabe o que é
dígrafo? E os usos da partícula 'se'? E o nome das enzimas que entram na
digestão?
E o sujeito da frase
'Ouviram do Ipiranga às margens plácidas de um povo heroico o brado
retumbante'? Qual a utilidade da palavra 'mesóclise'?
Pobres professores,
também engaiolados... São obrigados a ensinar o que os programas mandam,
sabendo que é inútil. Isso é o velho hábito das escolas. (IBIDEM, p.31)
A escola força os alunos ao estudo daquilo que os professores decidem
que eles devem estudar e como devem aprender. Trata-se de um grande equívoco,
pois o sujeito da educação é o corpo porque é nele que está a vida. É o corpo
que deseja aprender para poder viver. Alves, assim como Merleau-Ponty, não
trabalha com o dualismo corpo-alma. Quando ele usa a expressão
"corpo" é no sentido do homem como um todo. Nesse sentido a
inteligência é um instrumento do corpo, cuja função é ajudá-lo a viver.
Retomando Nietzsche, diz que a inteligência é ferramenta e brinquedo do
corpo.
Aqui, nesse ponto, ancora-se a base de sua proposta educacional, pois:
Ferramentas são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do
dia-a-dia. Brinquedos são aquelas
coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria
à alma. No momento em que escrevo estou ouvindo o coral da Nona Sinfonia. Não é
ferramenta. Não serve para nada. Mas enche minha alma de felicidade. Nestas
duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da
educação. (IBIDEM, pág.32)
Prosseguindo com metáforas, contrapõe à escola gaiola uma escola que dê asas. Ferramentas e brinquedos não
são gaiolas, mas asas.
Todo aquele que aprende ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade e jamais poderá ser violento.
Pelo contrário, o educando que vivencia essa experiência fica alegre vendo as asas crescerem.
A pergunta
fundamental que o educador deve se fazer é: o que estou ensinando é ferramenta? É brinquedo?
[1] Na tradição do Zen Budismo, o Koan é um componente importante no
processo de crescimento espiritual. Ele é o agente que desencadeia o Satori ou Iluminação. Trata-se de uma quebra no diálogo que está sendo
desenvolvido. Pode ser realizado com uma piada, uma frase irônica ou uma
afirmação completamente desconexa em relação à lógica que vem sendo
estabelecida na conversação. O interlocutor fica pasmo, sem chão, e leva algum
tempo para se recompor e perceber que o objetivo do emissor foi levá-lo para um
outro modo de ver as coisas. Isso provoca o Satori
ou Iluminação que seria o que os
orientais chamam de desenvolvimento de um terceiro olho, fazendo com que a
pessoa passe a ver o mundo de outra maneira.
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